A Entidade Oculta


            Éramos três jovens e possuíamos muita coisa em comum, como se imagina de qualquer grupo de adolescentes. À noite nos atraía, sempre foi mais amigável que a luz do dia. E era na noite que nos reuníamos mais frequentemente, para mostrar uma música nova, falar de um filme novo ou simplesmente discutir sobre assuntos diversos. Sendo assim, o interesse pelo obscuro, a paixão pelo sobrenatural, a curiosidade pelo insólito era algo que parecia guiar boa parte de nossas conversas.  
            Nem sempre concordávamos um com o outro, mas geralmente não havia desentendimentos entre nós três. Nathan era o cara mais ligado nas músicas, seus pais ouviam música popular e ele não suportava, encontrou na música mais extrema uma forma de se expressar que nenhum outro gênero musical conseguiu, geralmente ele vestia camisas de bandas suecas de Black Metal, praticamente seu uniforme. Daniel era fã de literatura, seus gêneros preferidos eram o de terror e ficção científica. Mas, Daniel não se restringia só a isso. Ele também lia muitos filósofos e livros de religiões diversas. Eu compartilhava dos mesmos gostos que eles, porém numa escala menor, meu interesse principal sempre foi a ufologia e os mistérios do universo. Acredito que agora vocês conseguem entender porque nos aproximamos.
            Era mais uma noite comum de sexta-feira, nos encontramos próximo a floresta para apreciar melhor a luz da lua e acender uma pequena fogueira. Nathan veio com sua jaqueta de patches com logos de bandas ilegíveis, Daniel trouxe um livro que apenas pela sua capa captava toda nossa atenção. Logo, percebi que o assunto da noite se prolongaria bastante, fui pegar mais lenha.
            O nome do tal livro era: "O Deus Oculto" e continha um símbolo incomum. 
— Estão vendo isso? É um hexagrama unicursal entrelaçado, isto representa o divino. Disse Daniel sobre o símbolo abaixo do título. A partir daí, ele falou sobre tudo que sabia a respeito do livro e sobre o pouco que tinha lido dele. Disse que te ensina a usar magia, para evocar seres de outras dimensões e entrar nestes outros universos que se entrelaçam com o nosso. Algo extremamente poderoso, que te testa a conhecer os seus limites, e se você obtiver êxito, esta magia te tornará alguém com um conhecimento e força não compreensível pelo homem comum. Além disso, o livro possuía todas as instruções e procedimentos para o usuário realizar os rituais. Era um manual completo.
            Estávamos todos muito interessados no conteúdo do livro. Perguntamos a Daniel onde ele conseguiu este achado, ele não quis nos responder, mudou de assunto. Acredito que ele roubou da biblioteca secreta de seus pais, como já fizera antes. Porém, este era um caso especial. Além de seu conteúdo ocultista, o livro tinha o nome do autor riscado, como se tivessem raspado com uma faca, restando apenas a primeira letra "K". Algo que me fez questionar a real origem do livro. Nathan ficou tão maravilhado com todo o conteúdo do livro que sugeriu realizarmos estes rituais. Daniel aceitou a proposta sem questionar, eu fiquei com o pé atrás, pois apesar de achar aquilo tudo muito interessante, não acreditava que conseguiríamos realizar algo de tamanha magnitude.
            Na semana seguinte, me dirigi novamente ao local que nos encontrávamos. Depois de esperar bastante, tive certeza que eles não viriam, não nos comunicamos muito durante aquela semana, senti eles muito distante de mim, só nesse dia percebi isso. Decidi voltar para casa. Enquanto eu que apagava a fogueira escutei barulhos estranhos vindo da mata. Imaginei que era meus amigos me pregando uma peça, algum tipo de brincadeira para me assustar. Fui checar mesmo assim. Depois de andar muitos metros floresta adentro, avistei um velho casebre de madeira, havia luz lá dentro. — Bom, então é ali que vão me sacanear. Falei para mim mesmo. Chegando mais próximo, ouvi uma espécie de mantra sinistro sendo cantado. Olhei por uma pequena fresta entre as madeiras, vi Nathan e Daniel realizando um dos rituais contidos no livro. Nathan estava sentado em posição de meditação e Daniel em pé com o livro entonando o tal mantra, ao redor vi objetos e desenhos que de forma improvisada tentavam reproduzir de forma semelhante os procedimentos e cenários descritos em um dos rituais do grimório.
            Simplesmente não pude acreditar nisso, foram longe demais em algo que deveria ser apenas uma diversão. Decidi entrar para acabar com a festinha antes que acontecesse algo de verdade, de certa forma tinha um mau pressentimento sobre aquilo. Mas antes que eu virasse meus olhos para ir em direção a porta, senti presenças estranhas, como se a noite tivesse se tornado mais escura e o ar mais denso. Uma voz gutural veio em minha cabeça, minha visão ficou turva e pesada, senti uma névoa sobre minha mente, no mesmo instante veio lembranças e imagens de coisas que eu gostaria de esquecer, coisas que me desestabilizaram imediatamente. 
            De repente, tudo parou. Senti certo alívio, mas foi apenas momentâneo. Olhei novamente pela fresta e avistei algo sinistro na frente dos meus amigos. Aquilo era uma mistura de bode com um cavaleiro demoníaco, tinha um manto sombrio nas costas que se desfazia antes de tocar no chão, seu peitoral e pernas eram cobertos por uma armadura dourada, mas a pele por baixo dela era avermelhada e com sinais de podridão. A criatura também portava uma lança dourada e robusta, sua ponta era flamejante e ardia como o inferno. Assim que abriu os olhos, nos fitou com um olhar de ódio e desprezo. Meus amigos ficaram sem reação, aquilo era algo surreal demais para ser verdade. 
            Nathan num ato de coragem decidiu dar ordens ao ser em nossa frente, para que como descrito, obedecesse a seus desejos de conhecimento e poder. Apesar de sua coragem, essa atitude só deixou a entidade ainda mais maligna. E então o ser sinistro simplesmente apontou sua lança para ele, que mesmo sem ser atingido pela lança, caiu de joelhos, agonizou sem ar, até que finalmente caiu por completo, sem vida. Fiquei atônico diante de tal situação. Daniel lacrimejava enquanto tentava entender o que havia acontecido. Deu as costas para o ser abissal numa tentativa de fuga. Não foi suficiente, ao perceber, o ser girou o corpo e brandiu sua lança, Daniel imediatamente ardeu em chamas. Em seguida, o ser desconhecido dirigiu seu olhar obscuro e intimidador para mim. Cai no chão com o susto, e como única tentativa de lidar com isso, corri como nunca antes.
            Quando cheguei na cidade, a fumaça na floresta já chamava a atenção de todos. Os bombeiros conseguiram conter o fogo antes dele tomar muitas árvores. Nos dias seguintes prosseguiram as investigações da policia, felizmente não fui acusado de envolvimento nas mortes, pois por estar no local e serem meus amigos fiquei com medo de chegarem até mim como suspeito. Jamais acreditariam no meu depoimento, por isso escrevo ele aqui. Segundo relatado nos jornais, a policia não foi capaz de coletar provas nem de detectar a razão do incêndio. Contudo, perto dos cadáveres totalmente carbonizados, encontraram um livro sem o nome do autor.


- Anderson Kennedy

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